quinta-feira, 10 de setembro de 2015

O aluno e o Saber Matemático

O aluno e o saber matemático
As necessidades cotidianas fazem com que os alunos desenvolvam uma inteligência essencialmente prática, que permite reconhecer problemas, buscar e selecionar informações, tomar decisões e, portanto, desenvolver uma ampla capacidade para lidar com a atividade matemática. Quando essa capacidade é potencializada pela escola, a aprendizagem apresenta melhor resultado.
No entanto, apesar dessa evidência, tem-se buscado, sem sucesso, uma aprendizagem em Matemática pelo caminho da reprodução de procedimentos e da acumulação de informações; nem mesmo a exploração de materiais didáticos tem contribuído para uma aprendizagem mais eficaz, por ser realizada em contextos pouco significativos e de forma muitas vezes artificial.
É fundamental não subestimar a capacidade dos alunos, reconhecendo que resolvem
problemas, mesmo que razoavelmente complexos, lançando mão de seus conhecimentos sobre o assunto e buscando estabelecer relações entre o já conhecido e o novo.
O significado da atividade matemática para o aluno também resulta das conexões que ele estabelece entre ela e as demais disciplinas, entre ela e seu cotidiano e das conexões que ele percebe entre os diferentes temas matemáticos.
 Ao relacionar idéias matemáticas entre si, podem reconhecer princípios gerais, como
proporcionalidade, igualdade, composição e inclusão e perceber que processos como o estabelecimento de analogias, indução e dedução estão presentes tanto no trabalho com números e operações como em espaço, forma e medidas.
O estabelecimento de relações é tão importante quanto a exploração dos conteúdos matemáticos, pois, abordados de forma isolada, os conteúdos podem acabar representando muito pouco para a formação do aluno, particularmente para a formação da cidadania.


O professor e o saber matemático

O conhecimento da história dos conceitos matemáticos precisa fazer parte da formação dos professores para que tenham elementos que lhes permitam mostrar aos alunos a Matemática como ciência que não trata de verdades eternas, infalíveis e imutáveis, mas como ciência dinâmica, sempre aberta à incorporação de novos conhecimentos.
Além disso, conhecer os obstáculos envolvidos no processo de construção de conceitos é de grande utilidade para que o professor compreenda melhor alguns aspectos da aprendizagem dos alunos.
O conhecimento matemático formalizado precisa, necessariamente, ser transformado para se tornar passível de ser ensinado/aprendido; ou seja, a obra e o pensamento do matemático teórico não são passíveis de comunicação direta aos alunos. Essa consideração implica rever a idéia, que persiste na escola, de ver nos objetos de ensino cópias fiéis dos objetos da ciência.
Esse processo de transformação do saber científico em saber escolar não passa apenas por mudanças de natureza epistemológica, mas é influenciado por condições de ordem social e cultural que resultam na elaboração de saberes intermediários, como aproximações provisórias, necessárias e intelectualmente formadoras. É o que se pode chamar de contextualização do saber.
Por outro lado, um conhecimento só é pleno se for mobilizado em situações diferentes daquelas que serviram para lhe dar origem. Para que sejam transferíveis a novas situações e generalizados, os conhecimentos devem ser descontextualizados, para serem contextualizados novamente em outras situações. Mesmo no ensino fundamental, espera-se que o conhecimento aprendido não fique indissoluvelmente vinculado a um contexto concreto e único, mas que possa ser generalizado, transferido a outros contextos.


Ensino e aprendizagem de Matemática
no primeiro ciclo

As crianças que ingressam no primeiro ciclo, tendo passado ou não pela pré-escola, trazem consigo uma bagagem de noções informais sobre numeração, medida, espaço e forma, construídas em sua vivência cotidiana. Essas noções matemáticas funcionarão como elementos de referência para o professor na organização das formas de aprendizagem.
As coisas que as crianças observam (a mãe fazendo compras, a numeração das casas, os
horários das atividades da família), os cálculos que elas próprias fazem (soma de pontos de um
jogo, controle de quantidade de figurinhas que possuem) e as referências que conseguem
estabelecer (estar distante de, estar próximo de) serão transformadas em objeto de reflexão e se integrarão às suas primeiras atividades matemáticas escolares.
Desse modo, é fundamental que o professor, antes de elaborar situações de aprendizagem, investigue qual é o domínio que cada criança tem sobre o assunto que vai explorar, em que situações algumas concepções são ainda instáveis, quais as possibilidades e as dificuldades de cada uma para enfrentar este ou aquele desafio.
É importante salientar que partir dos conhecimentos que as crianças possuem não significa restringir-se a eles, pois é papel da escola ampliar esse universo de conhecimentos e dar condições a elas de estabelecerem vínculos entre o que conhecem e os novos conteúdos que vão construir, possibilitando uma aprendizagem significativa.
Uma característica marcante dos alunos deste ciclo é que sua participação nas atividades tem um caráter bastante individualista, que os leva a não observar a produção dos colegas; nesse sentido, é fundamental a intervenção do professor, socializando as estratégias pessoais de abordagem de um problema, sejam elas semelhantes ou diferentes, e ensinando a compartilhar conhecimentos.
Eles também se utilizam de representações tanto para interpretar o problema como para comunicar sua estratégia de resolução. Essas representações evoluem de formas pictóricas (desenhos com detalhes nem sempre relevantes para a situação) para representações simbólicas, aproximando-se cada vez mais das representações matemáticas. Essa evolução depende de um trabalho do professor no sentido de chamar a atenção para as representações, mostrar suas diferenças, as vantagens de algumas, etc.
Ao explorarem as situações-problema, os alunos deste ciclo precisam do apoio de recursos como materiais de contagem (fichas, palitos, reprodução de cédulas e moedas), instrumentos de medida, calendários, embalagens, figuras tridimensionais e bidimensionais, etc.
Contudo, de forma progressiva, vão realizando ações, mentalmente, e, após algum tempo, essas ações são absorvidas. Assim, por exemplo, se mostram a certa altura capazes de encontrar todas as possíveis combinações aditivas que resultam 10, sem ter necessidade de apoiar-se em materiais e é importante que isso seja incentivado pelo professor.
Um aspecto muito peculiar a este ciclo é a forte relação entre a língua materna e a
linguagem matemática. Se para a aprendizagem da escrita o suporte natural é a fala, que funciona como um elemento de mediação na passagem do pensamento para a escrita, na aprendizagem da Matemática a expressão oral também desempenha um papel fundamental.
Falar sobre Matemática, escrever textos sobre conclusões, comunicar resultados, usando ao mesmo tempo elementos da língua materna e alguns símbolos matemáticos, são atividades importantes para que a linguagem matemática não funcione como um código indecifrável para os alunos.




Conteúdos de Matemática para
o primeiro ciclo
No primeiro ciclo as crianças estabelecem relações que as aproximam de alguns conceitos, descobrem procedimentos simples e desenvolvem atitudes perante a Matemática.
Os conhecimentos das crianças não estão classificados em campos (numéricos, geométricos, métricos, etc.), mas sim interligados. Essa forma articulada deve ser preservada no trabalho do professor, pois as crianças terão melhores condições de apreender o significado dos diferentes conteúdos se conseguirem perceber diferentes relações deles entre si.
Desse modo, embora o professor tenha os blocos de conteúdo como referência para seu
trabalho, ele deve apresentá-los aos alunos deste ciclo da forma mais integrada possível.
Em função da própria diversidade das experiências vivenciadas pelas crianças também não é possível definir, de forma única, uma seqüência em que conteúdos matemáticos serão trabalhados nem mesmo o nível de aprofundamento que lhes será dado.
Por outro lado, o trabalho a ser desenvolvido não pode ser improvisado, pois há objetivos a serem atingidos. Embora seja possível e aconselhável que em cada sala de aula sejam percorridos diferentes caminhos, é importante que o professor tenha coordenadas orientadoras do seu trabalho; os objetivos e os blocos de conteúdos são excelentes guias.
Uma abordagem adequada dos conteúdos supõe uma reflexão do professor diante da questão do papel dos conteúdos e de como desenvolvê-los para atingir os objetivos propostos.
Com relação ao número, de forma bastante simples, pode-se dizer que é um indicador de quantidade (aspecto cardinal), que permite evocá-la mentalmente sem que ela esteja fisicamente presente. É também um indicador de posição (aspecto ordinal), que possibilita guardar o lugar ocupado por um objeto, pessoa ou acontecimento numa listagem, sem ter que memorizar essa lista integralmente. Os números também são usados como código, o que não tem necessariamente ligação direta com o aspecto cardinal, nem com o aspecto ordinal (por exemplo, número de telefone, de placa de carro, etc.).
No entanto, essas distinções não precisam ser apresentadas formalmente, mas elas serão identificadas nas várias situações de uso social que os alunos vivenciam e para as quais o professor vai lhes chamar a atenção.
É a partir dessas situações cotidianas que os alunos constroem hipóteses sobre o significado dos números e começam a elaborar conhecimentos sobre as escritas numéricas, de forma semelhante ao que fazem em relação à língua escrita.
As escritas numéricas podem ser apresentadas, num primeiro momento, sem que seja
necessário compreendê-las e analisá-las pela explicitação de sua decomposição em ordens e classes (unidades, dezenas e centenas). Ou seja, as características do sistema de numeração são observadas, principalmente por meio da análise das representações numéricas e dos procedimentos de cálculo, em situações-problema.
Grande parte dos problemas no interior da Matemática e fora dela são resolvidos pelas
operações fundamentais. Seria natural, portanto, que, levando em conta essa relação, as atividades para o estudo das operações se iniciasse e se desenvolvesse num contexto de resolução de problemas.
No entanto, muitas vezes se observa que o trabalho é iniciado pela obtenção de resultados básicos, seguido imediatamente pelo ensino de técnicas operatórias convencionais e finalizado pela utilização das técnicas em “problemas-modelo”, muitas vezes ligados a uma única idéia das várias que podem ser associadas a uma dada operação.
No primeiro ciclo, serão explorados alguns dos significados das operações, colocando-se em destaque a adição e a subtração, em função das características da situação.
Ao longo desse trabalho, os alunos constroem os fatos básicos das operações (cálculos com dois termos, ambos menores do que dez), constituindo um repertório que dá suporte ao cálculo mental e escrito. Da mesma forma, a calculadora será usada como recurso, não para substituir a construção de procedimentos de cálculo pelo aluno, mas para ajudá-lo a compreendê-los.
Diversas situações enfrentadas pelos alunos não encontram nos conhecimentos aritméticos elementos suficientes para a sua abordagem. Para compreender, descrever e representar o mundo em que vive, o aluno precisa, por exemplo, saber localizar-se no espaço, movimentar-se nele, dimensionar sua ocupação, perceber a forma e o tamanho de objetos e a relação disso com seu uso.
Assim, nas atividades geométricas realizadas no primeiro ciclo, é importante estimular os alunos a progredir na capacidade de estabelecer pontos de referência em seu entorno, a situar-se no espaço, deslocar-se nele, dando e recebendo instruções, compreendendo termos como esquerda, direita, distância, deslocamento, acima, abaixo, ao lado, na frente, atrás, perto, para descrever a posição, construindo itinerários. Também é importante que observem semelhanças e diferenças entre formas tridimensionais e bidimensionais, figuras planas e não planas, que construam e representem objetos de diferentes formas.
A exploração dos conceitos e procedimentos relativos a espaço e forma é que possibilita ao aluno a construção de relações para a compreensão do espaço a sua volta.
Tanto no trabalho com números e operações como no trabalho com espaço e forma, grandezas de diversas naturezas estarão envolvidas. Pela comparação dessas grandezas, em situações-problema e com base em suas experiências pessoais, as crianças deste ciclo usam procedimentos de medida e constroem um conceito aproximativo de medida, identificando quais atributos de um objeto são passíveis de mensuração.
Não é objetivo deste ciclo a formalização de sistemas de medida, mas sim levar a criança a comprender o procedimento de medir, explorando para isso tanto estratégias pessoais quanto ao uso de alguns instrumentos, como balança, fita métrica e recipientes de uso freqüente. Também é interessante que durante este ciclo se inicie uma aproximação do conceito de tempo e uma exploração do significado de indicadores de temperatura, com os quais ela tem contato pelos meios de comunicação. Isso pode ser feito a partir de um trabalho com relógios de ponteiros, relógios digitais e termômetros.
Os assuntos referentes ao Tratamento da Informação serão trabalhados neste ciclo de modo a estimularem os alunos a fazer perguntas, a estabelecer relações, a construir justificativas e a desenvolver o espírito de investigação.
A finalidade não é a de que os alunos aprendam apenas a ler e a interpretar representações gráficas, mas que se tornem capazes de descrever e interpretar sua realidade, usando conhecimentos matemáticos.
Neste ciclo é importante que o professor estimule os alunos a desenvolver atitudes de
organização, investigação, perseverança. Além disso, é fundamental que eles adquiram uma postura diante de sua produção que os leve a justificar e validar suas respostas e observem que situações de erro são comuns, e a partir delas também se pode aprender. Nesse contexto, é que o interesse, a cooperação e o respeito para com os colegas começa a se constituir.
O primeiro ciclo tem, portanto, como característica geral o trabalho com atividades que
aproximem o aluno das operações, dos números, das medidas, das formas e espaço e da organização de informações, pelo estabelecimento de vínculos com os conhecimentos com que ele chega à escola. Nesse trabalho, é fundamental que o aluno adquira confiança em sua própria capacidade para aprender Matemática e explore um bom repertório de problemas que lhe permitam avançar no processo de formação de conceitos.









Ensino e aprendizagem de Matemática
no segundo ciclo

Muitos dos aspectos envolvendo o processo de ensino e aprendizagem abordados no item referente ao primeiro ciclo precisam também ser considerados pelos professores do segundo ciclo.
Dentre esses aspectos, destaca-se a importância do conhecimento prévio do aluno como ponto de partida para a aprendizagem, do trabalho com diferentes hipóteses e representações que as crianças produzem, da relação a ser estabelecida entre a linguagem matemática e a língua materna e do uso de recursos didáticos como suporte à ação reflexiva do aluno.
No entanto, há outros aspectos a considerar, levando-se em conta que as capacidades
cognitivas dos alunos sofrem avanços significativos. Eles começam a estabelecer relações de causalidade, o que os estimula a buscar a explicação das coisas (porquês) e as finalidades (para que servem). O pensamento ganha maior flexibilidade, o que lhes possibilita perceber transformações. A reversibilidade do pensamento permite a observação de que alguns elementos dos objetos e das situações permanecem e outros se transformam. Desse modo, passam a descobrir regularidades e propriedades numéricas, geométricas e métricas. Também aumenta a possibilidade de compreensão de alguns significados das operações e das relações entre elas. Ampliam suas hipóteses, estendendo-as a contextos mais amplos.
Assim, por exemplo, percebem que algumas regras, propriedades, padrões, que identificam nos números que lhes são mais familiares, também valem para números “maiores”.
É importante ressaltar que, apesar desses avanços, as generalizações são ainda bastante
elementares e estão ligadas à possibilidade de observar, experimentar, lidar com representações, sem chegar, todavia, a uma formalização de conceitos.
Em relação ao ciclo anterior, os alunos deste ciclo têm possibilidades de maior concentração e capacidade verbal para expressar com mais clareza suas idéias e pontos de vista. Pode-se notar ainda uma evolução das representações pessoais para as representações convencionais; em muitos casos têm condições de prescindir de representações pictóricas e podem lidar diretamente com as escritas matemáticas.

Outro ponto importante a destacar é o de que, por meio de trocas que estabelecem entre si, os alunos passam a deixar de ver seus próprios pontos de vista como verdades absolutas e a enxergar os pontos de vista dos outros, comparando-os aos seus. Isso lhes permite comparar e analisar diferentes estratégias de solução.

Nenhum comentário:

Postar um comentário