O aluno e o saber matemático
As
necessidades cotidianas fazem com que os alunos desenvolvam uma inteligência
essencialmente prática, que permite reconhecer problemas, buscar e selecionar
informações, tomar decisões e, portanto, desenvolver uma ampla capacidade para
lidar com a atividade matemática. Quando essa capacidade é potencializada pela
escola, a aprendizagem apresenta melhor resultado.
No entanto,
apesar dessa evidência, tem-se buscado, sem sucesso, uma aprendizagem em
Matemática pelo caminho da reprodução de procedimentos e da acumulação de
informações; nem mesmo a exploração de materiais didáticos tem contribuído para
uma aprendizagem mais eficaz, por ser realizada em contextos pouco
significativos e de forma muitas vezes artificial.
É fundamental
não subestimar a capacidade dos alunos, reconhecendo que resolvem
problemas, mesmo que
razoavelmente complexos, lançando mão de seus conhecimentos sobre o assunto e
buscando estabelecer relações entre o já conhecido e o novo.
O significado
da atividade matemática para o aluno também resulta das conexões que ele
estabelece entre ela e as demais disciplinas, entre ela e seu cotidiano e das
conexões que ele percebe entre os diferentes temas matemáticos.
Ao relacionar idéias matemáticas entre si,
podem reconhecer princípios gerais, como
proporcionalidade, igualdade,
composição e inclusão e perceber que processos como o estabelecimento de
analogias, indução e dedução estão presentes tanto no trabalho com números e
operações como em espaço, forma e medidas.
O
estabelecimento de relações é tão importante quanto a exploração dos conteúdos
matemáticos, pois, abordados de forma isolada, os conteúdos podem acabar
representando muito pouco para a formação do aluno, particularmente para a
formação da cidadania.
O professor e o saber matemático
O conhecimento
da história dos conceitos matemáticos precisa fazer parte da formação dos
professores para que tenham elementos que lhes permitam mostrar aos alunos a
Matemática como ciência que não trata de verdades eternas, infalíveis e
imutáveis, mas como ciência dinâmica, sempre aberta à incorporação de novos
conhecimentos.
Além disso,
conhecer os obstáculos envolvidos no processo de construção de conceitos é de
grande utilidade para que o professor compreenda melhor alguns aspectos da
aprendizagem dos alunos.
O
conhecimento matemático formalizado precisa, necessariamente, ser transformado
para se tornar passível de ser ensinado/aprendido; ou seja, a obra e o
pensamento do matemático teórico não são passíveis de comunicação direta aos
alunos. Essa consideração implica rever a idéia, que persiste na escola, de ver
nos objetos de ensino cópias fiéis dos objetos da ciência.
Esse processo
de transformação do saber científico em saber escolar não passa apenas por
mudanças de natureza epistemológica, mas é influenciado por condições de ordem
social e cultural que resultam na elaboração de saberes intermediários, como
aproximações provisórias, necessárias e intelectualmente formadoras. É o que se
pode chamar de contextualização do saber.
Por outro
lado, um conhecimento só é pleno se for mobilizado em situações diferentes
daquelas que serviram para lhe dar origem. Para que sejam transferíveis a novas
situações e generalizados, os conhecimentos devem ser descontextualizados, para
serem contextualizados novamente em outras situações. Mesmo no ensino
fundamental, espera-se que o conhecimento aprendido não fique indissoluvelmente
vinculado a um contexto concreto e único, mas que possa ser generalizado,
transferido a outros contextos.
Ensino e aprendizagem de Matemática
no primeiro ciclo
As crianças
que ingressam no primeiro ciclo, tendo passado ou não pela pré-escola, trazem
consigo uma bagagem de noções informais sobre numeração, medida, espaço e
forma, construídas em sua vivência cotidiana. Essas noções matemáticas funcionarão
como elementos de referência para o professor na organização das formas de
aprendizagem.
As coisas que
as crianças observam (a mãe fazendo compras, a numeração das casas, os
horários das atividades da
família), os cálculos que elas próprias fazem (soma de pontos de um
jogo, controle de quantidade de
figurinhas que possuem) e as referências que conseguem
estabelecer (estar distante de,
estar próximo de) serão transformadas em objeto de reflexão e se integrarão às
suas primeiras atividades matemáticas escolares.
Desse modo, é
fundamental que o professor, antes de elaborar situações de aprendizagem,
investigue qual é o domínio que cada criança tem sobre o assunto que vai
explorar, em que situações algumas concepções são ainda instáveis, quais as
possibilidades e as dificuldades de cada uma para enfrentar este ou aquele
desafio.
É importante
salientar que partir dos conhecimentos que as crianças possuem não significa
restringir-se a eles, pois é papel da escola ampliar esse universo de
conhecimentos e dar condições a elas de estabelecerem vínculos entre o que
conhecem e os novos conteúdos que vão construir, possibilitando uma
aprendizagem significativa.
Uma
característica marcante dos alunos deste ciclo é que sua participação nas
atividades tem um caráter bastante individualista, que os leva a não observar a
produção dos colegas; nesse sentido, é fundamental a intervenção do professor,
socializando as estratégias pessoais de abordagem de um problema, sejam elas
semelhantes ou diferentes, e ensinando a compartilhar conhecimentos.
Eles também
se utilizam de representações tanto para interpretar o problema como para
comunicar sua estratégia de resolução. Essas representações evoluem de formas
pictóricas (desenhos com detalhes nem sempre relevantes para a situação) para
representações simbólicas, aproximando-se cada vez mais das representações
matemáticas. Essa evolução depende de um trabalho do professor no sentido de
chamar a atenção para as representações, mostrar suas diferenças, as vantagens
de algumas, etc.
Ao explorarem
as situações-problema, os alunos deste ciclo precisam do apoio de recursos como
materiais de contagem (fichas, palitos, reprodução de cédulas e moedas),
instrumentos de medida, calendários, embalagens, figuras tridimensionais e
bidimensionais, etc.
Contudo, de
forma progressiva, vão realizando ações, mentalmente, e, após algum tempo,
essas ações são absorvidas. Assim, por exemplo, se mostram a certa altura
capazes de encontrar todas as possíveis combinações aditivas que resultam 10,
sem ter necessidade de apoiar-se em materiais e é importante que isso seja
incentivado pelo professor.
Um aspecto
muito peculiar a este ciclo é a forte relação entre a língua materna e a
linguagem matemática. Se para a
aprendizagem da escrita o suporte natural é a fala, que funciona como um
elemento de mediação na passagem do pensamento para a escrita, na aprendizagem
da Matemática a expressão oral também desempenha um papel fundamental.
Falar sobre
Matemática, escrever textos sobre conclusões, comunicar resultados, usando ao
mesmo tempo elementos da língua materna e alguns símbolos matemáticos, são
atividades importantes para que a linguagem matemática não funcione como um
código indecifrável para os alunos.
Conteúdos de Matemática para
o primeiro ciclo
No primeiro
ciclo as crianças estabelecem relações que as aproximam de alguns conceitos,
descobrem procedimentos simples e desenvolvem atitudes perante a Matemática.
Os
conhecimentos das crianças não estão classificados em campos (numéricos,
geométricos, métricos, etc.), mas sim interligados. Essa forma articulada deve
ser preservada no trabalho do professor, pois as crianças terão melhores
condições de apreender o significado dos diferentes conteúdos se conseguirem
perceber diferentes relações deles entre si.
Desse modo,
embora o professor tenha os blocos de conteúdo como referência para seu
trabalho, ele deve
apresentá-los aos alunos deste ciclo da forma mais integrada possível.
Em função da
própria diversidade das experiências vivenciadas pelas crianças também não é
possível definir, de forma única, uma seqüência em que conteúdos matemáticos
serão trabalhados nem mesmo o nível de aprofundamento que lhes será dado.
Por outro
lado, o trabalho a ser desenvolvido não pode ser improvisado, pois há objetivos
a serem atingidos. Embora seja possível e aconselhável que em cada sala de aula
sejam percorridos diferentes caminhos, é importante que o professor tenha
coordenadas orientadoras do seu trabalho; os objetivos e os blocos de conteúdos
são excelentes guias.
Uma abordagem
adequada dos conteúdos supõe uma reflexão do professor diante da questão do
papel dos conteúdos e de como desenvolvê-los para atingir os objetivos
propostos.
Com relação
ao número, de forma bastante simples, pode-se dizer que é um indicador de
quantidade (aspecto cardinal), que permite evocá-la mentalmente sem que ela
esteja fisicamente presente. É também um indicador de posição (aspecto
ordinal), que possibilita guardar o lugar ocupado por um objeto, pessoa ou
acontecimento numa listagem, sem ter que memorizar essa lista integralmente. Os
números também são usados como código, o que não tem necessariamente ligação
direta com o aspecto cardinal, nem com o aspecto ordinal (por exemplo, número
de telefone, de placa de carro, etc.).
No entanto,
essas distinções não precisam ser apresentadas formalmente, mas elas serão
identificadas nas várias situações de uso social que os alunos vivenciam e para
as quais o professor vai lhes chamar a atenção.
É a partir
dessas situações cotidianas que os alunos constroem hipóteses sobre o
significado dos números e começam a elaborar conhecimentos sobre as escritas
numéricas, de forma semelhante ao que fazem em relação à língua escrita.
As escritas
numéricas podem ser apresentadas, num primeiro momento, sem que seja
necessário compreendê-las e
analisá-las pela explicitação de sua decomposição em ordens e classes
(unidades, dezenas e centenas). Ou seja, as características do sistema de
numeração são observadas, principalmente por meio da análise das representações
numéricas e dos procedimentos de cálculo, em situações-problema.
Grande parte
dos problemas no interior da Matemática e fora dela são resolvidos pelas
operações fundamentais. Seria
natural, portanto, que, levando em conta essa relação, as atividades para o estudo
das operações se iniciasse e se desenvolvesse num contexto de resolução de
problemas.
No entanto,
muitas vezes se observa que o trabalho é iniciado pela obtenção de resultados
básicos, seguido imediatamente pelo ensino de técnicas operatórias convencionais
e finalizado pela utilização das técnicas em “problemas-modelo”, muitas vezes
ligados a uma única idéia das várias que podem ser associadas a uma dada
operação.
No primeiro
ciclo, serão explorados alguns dos significados das operações, colocando-se em
destaque a adição e a subtração, em função das características da situação.
Ao longo
desse trabalho, os alunos constroem os fatos básicos das operações (cálculos
com dois termos, ambos menores do que dez), constituindo um repertório que dá
suporte ao cálculo mental e escrito. Da mesma forma, a calculadora será usada
como recurso, não para substituir a construção de procedimentos de cálculo pelo
aluno, mas para ajudá-lo a compreendê-los.
Diversas
situações enfrentadas pelos alunos não encontram nos conhecimentos aritméticos
elementos suficientes para a sua abordagem. Para compreender, descrever e
representar o mundo em que vive, o aluno precisa, por exemplo, saber
localizar-se no espaço, movimentar-se nele, dimensionar sua ocupação, perceber
a forma e o tamanho de objetos e a relação disso com seu uso.
Assim, nas
atividades geométricas realizadas no primeiro ciclo, é importante estimular os
alunos a progredir na capacidade de estabelecer pontos de referência em seu
entorno, a situar-se no espaço, deslocar-se nele, dando e recebendo instruções,
compreendendo termos como esquerda, direita, distância, deslocamento, acima,
abaixo, ao lado, na frente, atrás, perto, para descrever a posição, construindo
itinerários. Também é importante que observem semelhanças e diferenças entre
formas tridimensionais e bidimensionais, figuras planas e não planas, que
construam e representem objetos de diferentes formas.
A exploração
dos conceitos e procedimentos relativos a espaço e forma é que possibilita ao
aluno a construção de relações para a compreensão do espaço a sua volta.
Tanto no
trabalho com números e operações como no trabalho com espaço e forma, grandezas
de diversas naturezas estarão envolvidas. Pela comparação dessas grandezas, em
situações-problema e com base em suas experiências pessoais, as crianças deste
ciclo usam procedimentos de medida e constroem um conceito aproximativo de
medida, identificando quais atributos de um objeto são passíveis de mensuração.
Não é
objetivo deste ciclo a formalização de sistemas de medida, mas sim levar a
criança a comprender o procedimento de medir, explorando para isso tanto
estratégias pessoais quanto ao uso de alguns instrumentos, como balança, fita
métrica e recipientes de uso freqüente. Também é interessante que durante este
ciclo se inicie uma aproximação do conceito de tempo e uma exploração do
significado de indicadores de temperatura, com os quais ela tem contato pelos
meios de comunicação. Isso pode ser feito a partir de um trabalho com relógios
de ponteiros, relógios digitais e termômetros.
Os assuntos
referentes ao Tratamento da Informação serão trabalhados neste ciclo de modo a
estimularem os alunos a fazer perguntas, a estabelecer relações, a construir
justificativas e a desenvolver o espírito de investigação.
A finalidade
não é a de que os alunos aprendam apenas a ler e a interpretar representações
gráficas, mas que se tornem capazes de descrever e interpretar sua realidade,
usando conhecimentos matemáticos.
Neste ciclo é
importante que o professor estimule os alunos a desenvolver atitudes de
organização, investigação,
perseverança. Além disso, é fundamental que eles adquiram uma postura diante de
sua produção que os leve a justificar e validar suas respostas e observem que
situações de erro são comuns, e a partir delas também se pode aprender. Nesse
contexto, é que o interesse, a cooperação e o respeito para com os colegas
começa a se constituir.
O primeiro
ciclo tem, portanto, como característica geral o trabalho com atividades que
aproximem o aluno das
operações, dos números, das medidas, das formas e espaço e da organização de
informações, pelo estabelecimento de vínculos com os conhecimentos com que ele
chega à escola. Nesse trabalho, é fundamental que o aluno adquira confiança em
sua própria capacidade para aprender Matemática e explore um bom repertório de
problemas que lhe permitam avançar no processo de formação de conceitos.
Ensino e aprendizagem de Matemática
no segundo ciclo
Muitos dos
aspectos envolvendo o processo de ensino e aprendizagem abordados no item
referente ao primeiro ciclo precisam também ser considerados pelos professores
do segundo ciclo.
Dentre esses
aspectos, destaca-se a importância do conhecimento prévio do aluno como ponto
de partida para a aprendizagem, do trabalho com diferentes hipóteses e
representações que as crianças produzem, da relação a ser estabelecida entre a
linguagem matemática e a língua materna e do uso de recursos didáticos como
suporte à ação reflexiva do aluno.
No entanto,
há outros aspectos a considerar, levando-se em conta que as capacidades
cognitivas dos alunos sofrem
avanços significativos. Eles começam a estabelecer relações de causalidade, o
que os estimula a buscar a explicação das coisas (porquês) e as finalidades
(para que servem). O pensamento ganha maior flexibilidade, o que lhes
possibilita perceber transformações. A reversibilidade do pensamento permite a
observação de que alguns elementos dos objetos e das situações permanecem e
outros se transformam. Desse modo, passam a descobrir regularidades e
propriedades numéricas, geométricas e métricas. Também aumenta a possibilidade
de compreensão de alguns significados das operações e das relações entre elas.
Ampliam suas hipóteses, estendendo-as a contextos mais amplos.
Assim, por
exemplo, percebem que algumas regras, propriedades, padrões, que identificam
nos números que lhes são mais familiares, também valem para números “maiores”.
É importante
ressaltar que, apesar desses avanços, as generalizações são ainda bastante
elementares e estão ligadas à
possibilidade de observar, experimentar, lidar com representações, sem chegar,
todavia, a uma formalização de conceitos.
Em relação ao
ciclo anterior, os alunos deste ciclo têm possibilidades de maior concentração
e capacidade verbal para expressar com mais clareza suas idéias e pontos de
vista. Pode-se notar ainda uma evolução das representações pessoais para as
representações convencionais; em muitos casos têm condições de prescindir de representações
pictóricas e podem lidar diretamente com as escritas matemáticas.
Outro ponto
importante a destacar é o de que, por meio de trocas que estabelecem entre si,
os alunos passam a deixar de ver seus próprios pontos de vista como verdades
absolutas e a enxergar os pontos de vista dos outros, comparando-os aos seus.
Isso lhes permite comparar e analisar diferentes estratégias de solução.
Nenhum comentário:
Postar um comentário